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TJDFT afasta presunção legal de paternidade ao reconhecer ausência de vínculo genético e socioafetivo

Uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT lança luz sobre a complexidade das ações de descontinuação de filiação ao analisar um caso em que a presunção legal de paternidade foi afastada diante da inexistência de vínculo biológico e socioafetivo entre o pai registral e a criança.
A 8ª Turma Cível do TJDFT decidiu, por unanimidade, anular o registro de paternidade de uma criança que nasceu quando a mãe era casada. O juiz também determinou a retirada do sobrenome paterno e o fim da obrigação de pagar pensão alimentícia.
Segundo informações do Tribunal, o homem questionou a paternidade e pediu judicialmente a realização do exame de DNA, o que foi recusado pela mãe da criança. A mulher argumentou que, por morar no exterior, não tinha condições financeiras de vir para o Brasil. Ela também admitiu ter incerteza sobre a paternidade.
Para os desembargadores, a recusa da mãe sem justificativa suficiente, somada à falta de contato entre o homem e a criança – que se mudou para outro país aos dois anos de idade –, foi suficiente para afastar a presunção de paternidade.
O Tribunal destacou que o direito à identidade genética vale tanto para a criança quanto para o homem que fez o registro. Segundo a decisão, negar o teste poderia obrigar alguém a manter um vínculo paterno mesmo diante de dúvidas legítimas.
Presunção legal
O advogado Ricardo Calderon, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, comenta a importância do julgamento. “No caso dos autos, a paternidade se estabeleceu em virtude da presunção legal de que os filhos de pessoas casadas são também filhos do cônjuge. Mas essa presunção pode ser afastada e é disso que cuida o acórdão do TJDFT”, afirma.
Ele destaca que a origem da paternidade não se deu por um registro espontâneo, mas sim por força da presunção legal, já que os genitores eram casados à época do nascimento da criança.
“Nessas hipóteses, a paternidade se estabelece não porque o pai se apresentou espontaneamente, mas porque se presume que o marido da mãe é o pai da criança”, explica.
O especialista destaca que a Justiça do Distrito Federal foi criteriosa ao analisar também o aspecto socioafetivo da relação entre pai e filho.
“O tribunal foi cauteloso e exigiu que se analisasse o significado da ausência de relação socioafetiva entre a criança e o pai registral. Na situação narrada, restou demonstrado que não havia essa relação – o que, somado à recusa ao exame, permite afastar a paternidade”, pontua.
Segundo ele, o acórdão evidencia uma tendência atual no Direito das Famílias de conjugar o reconhecimento da verdade biológica com a valorização da afetividade nas relações parentais.
“A decisão procura ponderar ambos os interesses envolvidos: o direito da criança às suas relações parentais, mas também o direito do pai registral em averiguar a existência ou não de vínculo genético. E deu papel central à presença ou ausência da relação socioafetiva entre ambos”, avalia o advogado.
Tendência
Ele lembra ainda que essa tendência encontra respaldo na jurisprudência. “Desde a Súmula 301 do STJ, que trata da recusa ao exame de DNA como elemento de prova nas ações de investigação de paternidade, a jurisprudência vem ampliando esse entendimento, aplicando-o também aos casos em que as mães se recusam a submeter seus filhos ao exame.”
Ele observa que as decisões judiciais sobre o assunto buscam um ponto de equilíbrio entre os diversos vetores envolvidos.
“As decisões vêm procurando conciliar a liberdade com a responsabilidade, equilibrando os elementos biológicos com os vínculos socioafetivos. A verdade genética continua sendo relevante, mas a afetividade já perfila com centralidade na definição das relações de filiação”, afirma.
Por Guilherme Gomes
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